Nascido na região do Caparaó, o trio Suindara – formado por Aline Maria, Laissa Gamaro e Relva Rodrigues – acaba de lançar o videoclipe da canção “Bailado de cabocla”. A ocasião foi marcada por um show, na Praça de Patrimônio da Penha, na noite dessa quarta-feira (13), com direito a homenagem a todas as mulheres que participaram das gravações do videoclipe.
Realizado com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), da Secretaria da Cultura (Secult), o videoclipe tem direção de Taís Lobo e Rafael Saar e mostra o Suindara em seu habitat natural: a vila de Patrimônio da Penha, berço de criação de suas canções e espaço sagrado onde suas integrantes interagem com a comunidade e a natureza ao redor.
Tanto na música quanto no videoclipe, o tema central é a invocação da força feminina manifestada por meio da entidade espiritual das caboclas – falange que evoca a ancestralidade indígena e mestiça em diversas linhas religiosas. “‘Bailado de cabocla’ é, ao mesmo tempo, um canto, um ponto, um hino, uma reza, um chamado de reconhecimento dessa força que transpassa a condição humana e se apresenta como fonte matriz de encorajamento e firmeza”, afirma Aline Maria, autora da canção, que abre o EP lançado pelo grupo em 2022.
A proposta do videoclipe é a união de dois universos semânticos que se interconectam. No primeiro, as integrantes do trio, em meio à natureza, batem tambor, cantam, dançam sob a luz do fogo, reverenciam a força da natureza e a força feminina. No segundo, as imagens destacam atividades cotidianas protagonizadas por mulheres da comunidade de Patrimônio da Penha: parteiras, curandeiras, agricultoras, costureiras, mães, líderes espirituais, rezadeiras e irmãs de batalha.
Todas de mãos dadas, em roda, celebrando a dança circular da vida. E esses universos se entrelaçam a partir do convite feito pela canção, no intuito de compor uma rede de apoio feminino e transmitir ao mundo uma mensagem de coragem, fé e união.
Participando do videoclipe, como convidadas, estão Maria Aparecida, a “Cida”, cabocla raiz da região do Caparaó, cafeicultora e jardineira; Maria Helena da Silva, a “Lena”, moradora raiz da vila, artesã, recicladora, costureira, e entusiasta das manifestações culturais da comunidade; Saluah Martins, erveira e curandeira; Joana Clementino, dançarina e parteira tradicional, junto com sua filha, Lilás Clementino; Valéria Rodrigues, líder religiosa e focalizadora de dança circular sagrada; Fernanda Keretxu, guardiã de saberes guaranis e moradora da aldeia Kaagwy Porã, de Aracruz/ES; e Elaine Augusta, cantora, atriz e professora.
Na cena da dança circular, o videoclipe contou ainda com as participações da produtora executiva do grupo Roberta Taufner, da figurinista Adriana Lovo e da terapeuta Márcia Cristina. Todas elas estiveram presentes no show de lançamento.
Assista ao vídeo
Trajetória
Há mais de quatro anos em atividade, o Suindara vem consolidando sua potência artística por meio de um incessante desenvolvimento coletivo. Em 2019, o trio foi contemplado em edital da Secult para gravar seu primeiro EP, reunindo cinco músicas. A obra foi produzida em 2021, em meio à pandemia de Covid-19, período em que o Suindara realizou uma residência artística, conhecendo e executando todas as etapas de uma produção musical independente
Com estúdio montado em casa, a pré-produção envolveu experimentações sonoras, desenvolvimento de habilidades vocais e instrumentais, além de pesquisas conceituais em torno da identidade do trabalho.
A gravação aconteceu no Espaço Cultural Sítio Alegria Alegria, em Limo Verde, e contou com a participação do percussionista mineiro Carlinhos Ferreira, do violeiro capixaba Marcos Côco e de músicos da nova cena musical capixaba, como a banda Roça Nova.
Entusiasta das manifestações culturais da comunidade, Lena é uma das participantes do videoclipeEntusiasta das manifestações culturais da comunidade, Lena é uma das participantes do videoclipe
Comunidade
O vilarejo de Patrimônio da Penha, situado na área de amortecimento do Parque Nacional do Caparaó, é conhecido e adorado por sua reserva de Mata Atlântica preservada, sua exuberante paisagem natural – abundante em água pura e cristalina –, sua diversidade cultural e uma especial e marcante força feminina.
São parteiras, curandeiras, bordadeiras, cozinheiras, jardineiras, agricultoras, mães solos, moradoras isoladas da montanha, construtoras, matriarcas nativas ou acolhidas por um lugar conhecido por sua magia peculiar.
O clipe de ‘Bailado de cabocla’ transmite, por meio dessas imagens, a materialização em linguagem audiovisual de um patrimônio natural e imaterial de um povo. A partir da representação dessas mulheres, o Suindara exalta a potência do feminino e suas múltiplas facetas: a mulher que gesta, a mulher que dança, a mulher que planta, a mulher que borda, a mulher que se conecta com as forças visíveis e invisíveis da natureza sagrada.
Parte fundamental da construção do roteiro se deu com base na pesquisa dos diferentes significados que a palavra “cabocla” adotou ao longo da história. O fato de ela ter sentidos diversos está intimamente vinculado aos processos históricos e sociais vividos pelo Brasil em diferentes fases de sua história.
A depender de seu contexto de uso, o termo pode se referir a uma categoria de classificação social ou fazer referência direta aos pequenos produtores rurais de ocupação histórica, camponeses, extratores, povo rústico e descendentes miscigenados de europeus, indígenas e africanos.
Em função do teor pejorativo que pode carregar, é uma palavra que merece especial cuidado. Em algumas religiões, porém, tem significado específico ligado à ancestralidade. Os caboclos são espíritos e encantados afro-ameríndios que podem se manifestar por muitas formas nas religiões de matriz africana. Um termo cujo conceito atravessa corpos e identidades na multidiversidade brasileira e que se manifesta na canção do grupo como uma homenagem à força da mulher conectada com sua natureza.